FORQUILHA
Sobre a folha em branco do papel
Tela branca pinto o desenho de palavras
Igual espalhasse tinta no quadro com o pincel.
É só ver a imagem nela dita.
Ide, vá ver o nascente dos pássaros
O brotar e aquele instante em que se se parte
E no outro se expande em círculo
E pés são os cabelos
A cabeça o ventre
Tudo o mais no outro dissolvido,
Assim, no papel o quadro pintado:
Ide àquele momento em que o sol se entrega
E atrás das montanhas
Impassível se curva
E se ajoelha à beira da terra
Beija o triângulo de luzes e festeja
Cores de corais imensos,
E inventa na terra sombras que encobrem fronteiras
E outras mensagens em fímbrias de luz escritas.
Já é tempo.
E o tempo urge e ruge sua própria passagem.
As idades das nossas idades aconteceram
Agulhas em cruzada nos ponteiros do relógio
À hora marcada
-Quer estivéssemos lá ou não-
Aconteceu.
E isso foi o bastante
Curvas de um delicado canal que leva a uma caverna sem saída
E trompas anunciando colóquios que ecoam a voz de Babel.
É como descobrir a obviedade das coisas:
Ninguém, mas ninguém mesmo,
Pode mudar a direção do vento.
E caminhar, que só há um único jeito:
Se equilibrar sobre um par de pernas
E para andar, movê-las.
Há tanta coisa por se resolver ainda:
As geleiras se derretendo em minha geladeira
Os ventos do norte de espora e chicote no galope
As folhagens do Oriente e do Ocidente caindo
De um lado o morrer e renascer no outro,
Enfim e para o fim
O que vivemos
Movemos
Viajamos juntos
Da parcela do tempo e espaço foi um pedaço
Um pequeno e bom pedaço
E está bom assim.
Eu fico com o que há de melhor no que aconteceu
E levas de alguma coisa o melhor do acontecido.
Acho que isso é amor.
E quando aconteceu
Eu sabia que estava acontecendo,
Tão belo era.
segunda-feira, 25 de março de 2013
quarta-feira, 20 de março de 2013
FINAL
E as violetas que brilhavam lilases e rosas
No escuro emudecem entre folhas de verde veludo.
Pálidas, carregadas de nuvens de chumbo,
As estrelas minguam devagar,
Iguais velas em que a parafina se acaba
E ao fim só resta uma réstia de chama,
Pequena chispa de fogo a se afogar no resto do pavio.
Então se sabe, já é chegada a hora,
E com ela uma quase dor,
Uma quase saudade de alguma coisa ardente,
Tão perto e para sempre distante,
Anel rutilante que se perdeu do dedo
Presente.
20.03.2013
quinta-feira, 14 de março de 2013
DIA DO POETA II
As vertentes do sol se inverteram
Os raios solares se tornaram mais densos
E o caldo do caldeirão de estrelas
Ao fogo desatadas e sempre inéditas,
Se partem em várias partes de uma só.
Mas o que são os versos que escrevo
Senão uma vertigem de palavras sentidas
Outras sem sentido algum?
Ser poeta leva sentido em não sê-lo.
14-03.2013
quarta-feira, 13 de março de 2013
MONTANHA
Então, que falarei agora?
Falarei de verdade, mas de verdade mesmo;
Acaso odeio eu o pé-de-cana?
As longas folhas farfalhando dedos de seda e palha,
Cantar de nuvens doces verduras
Ao sopro do vento que vem de longe para com elas dançar,
Carícia com mãos de veludo na boca do céu.
Acaso está ali, sobre vermelha alana o mal plantado?
Mas como pode o mal da terra florescer doçuras?
E acaso a terra é má ou tem maldade?
Quem enfeitiçou o pé de romã?
Que ordem autorizou o mal
Habite o pé de romã para que dê maus frutos?
Falarei da minha dor,
Mas jamais vereis minha dor mostrada aqui.
Sim, escorre espessa a amargura pela parede:
Não se sente bem o mago,
Menos ainda o poeta ao divisar
Da soleira da porta o quintal,
No céu as estrelas umas às outras se engolindo,
Na terra o pai a tornar a flor filial herança bastarda,
A mulher descalça a mandar à merda a paciência e a calma.
Na grande arena o jogo promessas rasga,
No imensurável palco da vida um vigia,
Outro desarma, aquela engatilha
E todos morrem abandonados à paisagem,
Os minutos e as horas sendo cobertos de farsa,
Vórtice-buraco-negro na rede vestidos na malha da vaidade,
Todos tragados na voragem da solidão.
13.03.2013
Então, que falarei agora?
Falarei de verdade, mas de verdade mesmo;
Acaso odeio eu o pé-de-cana?
As longas folhas farfalhando dedos de seda e palha,
Cantar de nuvens doces verduras
Ao sopro do vento que vem de longe para com elas dançar,
Carícia com mãos de veludo na boca do céu.
Acaso está ali, sobre vermelha alana o mal plantado?
Mas como pode o mal da terra florescer doçuras?
E acaso a terra é má ou tem maldade?
Quem enfeitiçou o pé de romã?
Que ordem autorizou o mal
Habite o pé de romã para que dê maus frutos?
Falarei da minha dor,
Mas jamais vereis minha dor mostrada aqui.
Sim, escorre espessa a amargura pela parede:
Não se sente bem o mago,
Menos ainda o poeta ao divisar
Da soleira da porta o quintal,
No céu as estrelas umas às outras se engolindo,
Na terra o pai a tornar a flor filial herança bastarda,
A mulher descalça a mandar à merda a paciência e a calma.
Na grande arena o jogo promessas rasga,
No imensurável palco da vida um vigia,
Outro desarma, aquela engatilha
E todos morrem abandonados à paisagem,
Os minutos e as horas sendo cobertos de farsa,
Vórtice-buraco-negro na rede vestidos na malha da vaidade,
Todos tragados na voragem da solidão.
13.03.2013
A ÁGUIA E O CONDOR
Um argentino ascendeu numa nuvem branca da senhora romana,
Os ventos do norte soprando franca rapina no sul,
Mais fácil controlar um jesuíta no lado de baixo,
Pior na contramão um pastor alemão-azul.
E tudo permanece na mão de poucos,
Muito poucos,
O que deveria ser de todos
Na grande confraria do bilhão.
13.02.2013
terça-feira, 12 de março de 2013
domingo, 10 de março de 2013
MUDANÇA
Sentado à poltrona da sala,
Rodeado por uma nuvem espessa de pensamentos,
Igual um mendigo grudado às suas tralhas
Sobre a natureza das coisas arrasto meu olhar.
E de estar assim,
Tão real e só quanto pode ser um homem que está sozinho,
Navegante de sensações adormecidas no varal,
Amargo despertar de lembranças de um passado antigo
Lá longe, distante num lugar que fui e não voltarei a ser jamais.
Em cada prateleira vejo os livros,
Tantos caminhos desenhados em letras, frases,
Palavras formando pensares e diálogos,
Alguns dos quais compreendi, outros nem tanto:
A vida não se compõem só de vã filosofia,
O violão esperando acorde encostado num canto,
Nas estantes discos em ordem classificados,
Mpb, música clássica, blues,
E aquela canção que amávamos quando éramos amantes.
Nas quatro paredes quadros pintados,
Uns de alegria, outros de infância e saudade,
Abstrata desordem habitada de folhas brancas
Sobre a bancada versos de encanto e desencanto,
Ao meio a mesa de centro coroada por um pote de balas,
No alto da estante esculturas de louça fosca, uma balança,
Vasos vazios guardando ocultas amargas paisagens raras,
A ampulheta de vidro a derramar grãos de tempo no tempo,
Esfacelado.
Sentado em minha sala de segredos revelados,
Na memória dos objetos inanimados úteis uns, inúteis outros,
Túnica inconsútil a embrulhar minha respiração,
Tão clara de se ouvir ao peito a batida,
Teimoso coração a dançar o descompasso
Ao som do silêncio das coisas que estão sós,
Na sombra do vento o murmúrio de um inesquecível fado.
Dentro da minha casa,
Ausente o menino,
Aberta acesa a chaga
Derrama gota de sangue na sala o último verso em solidão.
08-10.03.2013
Sentado à poltrona da sala,
Rodeado por uma nuvem espessa de pensamentos,
Igual um mendigo grudado às suas tralhas
Sobre a natureza das coisas arrasto meu olhar.
E de estar assim,
Tão real e só quanto pode ser um homem que está sozinho,
Navegante de sensações adormecidas no varal,
Amargo despertar de lembranças de um passado antigo
Lá longe, distante num lugar que fui e não voltarei a ser jamais.
Em cada prateleira vejo os livros,
Tantos caminhos desenhados em letras, frases,
Palavras formando pensares e diálogos,
Alguns dos quais compreendi, outros nem tanto:
A vida não se compõem só de vã filosofia,
O violão esperando acorde encostado num canto,
Nas estantes discos em ordem classificados,
Mpb, música clássica, blues,
E aquela canção que amávamos quando éramos amantes.
Nas quatro paredes quadros pintados,
Uns de alegria, outros de infância e saudade,
Abstrata desordem habitada de folhas brancas
Sobre a bancada versos de encanto e desencanto,
Ao meio a mesa de centro coroada por um pote de balas,
No alto da estante esculturas de louça fosca, uma balança,
Vasos vazios guardando ocultas amargas paisagens raras,
A ampulheta de vidro a derramar grãos de tempo no tempo,
Esfacelado.
Sentado em minha sala de segredos revelados,
Na memória dos objetos inanimados úteis uns, inúteis outros,
Túnica inconsútil a embrulhar minha respiração,
Tão clara de se ouvir ao peito a batida,
Teimoso coração a dançar o descompasso
Ao som do silêncio das coisas que estão sós,
Na sombra do vento o murmúrio de um inesquecível fado.
Dentro da minha casa,
Ausente o menino,
Aberta acesa a chaga
Derrama gota de sangue na sala o último verso em solidão.
08-10.03.2013
sexta-feira, 8 de março de 2013
INACABADA
Estou às vésperas,
À porta de saída para a partida.
Malas prontas,
Irei para o mais distante possível,
Tão distante que acreditarei estar longe de mim mesmo.
E fora do trânsito sobre o asfalto em fogo
Separado do hálito oleoso da grande cidade
À parte da correria desordenada e inútil
Livre das pressões impossíveis nas tardes imprevisíveis
Liberto das noites vagas e vazias
Afastado das manhãs cansadas e cruéis.
Estou de partida e na véspera.
Amanhã já não estarei mais aqui
E o mar que terei à frente não terá fim,
Líquida lembrança dos dias aqui vividos,
Para sempre vívidos no meu jardim.
08.03.2013
08.03.2013
quarta-feira, 6 de março de 2013
ANDARILHO
Por um instante me ponho a pensar,
A pensar em mim mesmo e o que sou.
E penso que queria estar em outro lugar,
E não onde agora estou.
E penso num copo de vidro vazio
Sabedor de que tudo o que é de vidro
Não importa se copo cheio ou vazio
Nalgum momento será pedaço partido.
E dali para a frente não será mais copo
Nem conterá em si mesmo o vazio
Não será mais que um instante fugidio,
Ausência passagem de curso de rio.
Olho à volta de mim e vago pensares,
Já noutro lugar estou,
E da meada não acho o começo do fio.
26.02/06.02.2013
Por um instante me ponho a pensar,
A pensar em mim mesmo e o que sou.
E penso que queria estar em outro lugar,
E não onde agora estou.
E penso num copo de vidro vazio
Sabedor de que tudo o que é de vidro
Não importa se copo cheio ou vazio
Nalgum momento será pedaço partido.
E dali para a frente não será mais copo
Nem conterá em si mesmo o vazio
Não será mais que um instante fugidio,
Ausência passagem de curso de rio.
Olho à volta de mim e vago pensares,
Já noutro lugar estou,
E da meada não acho o começo do fio.
26.02/06.02.2013
DESTINO
Fosse eu denominar ficção o que vivi,
E que vivo tenha por nome fatalidade ou sina
Ou chame-se a isso encruzilhadas do destino,
Quiça rua sem saída ou mar de vista divina,
O que me fez e me faz a vida é seguir.
Muitas vezes arrastando malas de sapatos
E chumbo de um lado para o outro sem porvir,
13 vezes pelo mundo sem raiz os mesmos atos
Um outro teto, outras paredes, outra companhia,
Às vezes janelas que dão para o infinito
De outras a escuridão de uma sala ligada na internet.
Talvez esta a razão, outra vez,
A se estar como agora ilhada de malas,
Passagem de ida no bolso
Choro lágrimas descalças
Por não saber onde ir.
06.03.2013
Fosse eu denominar ficção o que vivi,
E que vivo tenha por nome fatalidade ou sina
Ou chame-se a isso encruzilhadas do destino,
Quiça rua sem saída ou mar de vista divina,
O que me fez e me faz a vida é seguir.
Muitas vezes arrastando malas de sapatos
E chumbo de um lado para o outro sem porvir,
13 vezes pelo mundo sem raiz os mesmos atos
Um outro teto, outras paredes, outra companhia,
Às vezes janelas que dão para o infinito
De outras a escuridão de uma sala ligada na internet.
Talvez esta a razão, outra vez,
A se estar como agora ilhada de malas,
Passagem de ida no bolso
Choro lágrimas descalças
Por não saber onde ir.
06.03.2013
terça-feira, 5 de março de 2013
EXISTO
Torço a cabeça para a direita,
Prego o olho no calendário
E nele leio os dias;
Os dias que passaram, o que agora passa
E os que virão.
E vejo outros dias calcados no calendário do tempo-espaço.
Aqueles que não existiram, não existem,
E jamais existirão.
Por vezes, muitas vezes,
A vida é o impossível acontecendo.
04.03.3013
FARSA ALIENA
I
Madrugada via vestida de skipe
Escape me fala o som da tua voz
Clara imagem como num filme de Spyke Lee
O reflexo dos ególatras se espelhando no fluído
Plástica tela de ondas virtuais narcotizante
Corrente eletromagnética a se desdobrar em nuvens
Luzes vadias e vazias de calor
Pelo ar alguma ternura
A ternura de ser humano.
II
A via láctea é tão grande quanto os rios,
E é da mesma quantidade dos mares e dos ventos;
Somos um vértice em vórtice rodopiando no fogo,
As calotas do sol derramando suspiros de luz da humanidade.
III
Não há vida que conte uma diferença:
Todo pássaro se condensa num beija-flor de asas luminescentes.
Barro, somos feitos um para o outro;
Humanos, nos adoramos a nós mesmos.
E os ventos, que jamais pousam,
Estão a soprar outros ventos em outro lugar.
04.03.2013
EDITE
Há mulheres por todos os cantos da terra.
E se existe entre todas uma mulher de poder
Tu és mais que ela na escala de um a cem,
E na sala das mulheres que habitam a carne
Em meio à treva, és a iluminada,
Porque enxergas com olhos de luz as labaredas da escuridão
E serves de mão e guia aos que se guiam e são amantes da poesia.
Porque poesia, irmã, é uma coisa que está para além da amizade,
Para além do muro e da parede que divide o que é um em dois,
Haja visto, poesia é outro lugar, um outro céu
E uma outra terra
E é todo lugar,
E por isso a poesia está aqui onde estás agora
E só não supera o amor,
Porque a poesia, amada, é o próprio amor.
Por isso te amo com tanto e com tão intenso ardor,
Porque és entre as mulheres,
Nem profetiza, nem virgem prometida, nem atriz, nem ateia,
Mas mulher, parte do que se criou na criação e permanece.
Desde o início do começo das coisas,
O sopro vivente de tua voz fluido sutil no azul se espalha
E em tua voz reverbera o que se estende ao longo e ao longe se espraia
Voz que vai além e mais, mágica e deslumbre a se desdobrar,
Sino, cantilena, verbo e canção de gesta, trova e toada,
Cavalgada de vogais e consoantes no tempo o eco da tua voz,
Consonância na fartura de versos e línguas dos homens na grande Babel,
Porque, criadora que és,
Na tua voz está claro e lúcido o nome das coisas,
O véu da poesia em tua voz se rasgando a descoberto os céus,
Qual rosa em harmonia que se desabrocha
E em sacrifício oferta seu perfume ao vento.
Tu que vieste para recitar "A Senhora das Tempestades"
E outros alentos em palavras que se revestem de fogo e encantos,
Ó mulher que cobres meu coração de alegria e espanto
E regas as rugas do meu rosto de barro com lágrimas de sal,
Derramai sobre o pano da terra a tua voz líquida e plena de significados,
Destaca pelo tempo-espaço a força do teu cantar,
E faz vibrar as cordas que se estendem até a morada dos deuses.
No entanto,
Nos limites desta casa de palavras
No círculo dos teus servos-ouvintes, ó sacerdotisa,
Aqui, onde o teto se faz limite é que se dá a magia,
Ó mulher que vestes o vestido de carne nesta mulher,
Eis-me aqui, teu aliado, discreta e encantada cria.
A ti, ó mulher cantante ofereço das horas o dia,
A ti, que carregas na própria sombra outra sombra,
A sombra daquela que tem o mais belo dos nomes,
Izabel, em que o casto e a pureza fizeram morada,
A que traz e leva a boa-nova, poesia, fulgor no firmamento
Cúmplice da humildade de dar-de-si o que a luz revela,
Ó irmã da minha carne instrumento de versos e poemas,
Que aos homens anuncia ser a poesia trilha e caminho,
Luz da palavra acesa no olho da escuridão.
A ti que és mistério,
Da mãe, das filhas, das putas, das pudicas, das impúberes,
Das impuras, das que são ruins e daquelas que são piores,
A ti, que guardas na voz o mistério a ser revelado,
Dentre as colunas, os selos, os paradoxos e paradigmas,
A ti, que és a prova final do numerais que o homem inventou e neles se enreda,
A ti que és a poesia e o despertar dos homens,
A ti que és, ó Rainha,
Mãe deste inexato enigma chamado Homem,
E que aos homens e mulheres fala poesia,
A ti, Edite, o meu olhar.
16.02.2013
VERTIGEM
Desdobra-se, feito negro profundo abismo
Diante de meus pés o tapete insondável da noite
Em toda a sua extensão a vertigem dos dias,
Tempo-espaço recheado da teia das galáxias,
Nuvens de gás, buracos negros, quasares,
Distâncias incompreensíveis
E mistérios que jamais ser-me-ão revelados.
Embriagado do torpor das horas,
O sangue nas veias a latejar vozes do passado
Entre as mãos seguro meu crânio e me percebo,
Sou uma armação óssea recheada de carne e sangue
E por um instante quase acredito,
A vida é bela, larga e iluminada a estrada,
Para no instante seguinte me deixar cair na real:
A vida, em verdade, é um abismo de indecorosas misérias,
Dores lancinantes edulcoradas pela inexplicável e humana,
Tão absurda, estupidamente humana esperança.
Largo a pesada cabeça de entre as mãos e deixo tombá-la,
Outra vez a esperança se arrastando ao meu lado
Sombra dos meus mais impossíveis desejos,
Meus dedos mergulhados entre lágrimas,
Em fuga a translúcida e desvairada alegria vivida,
Momentos que dividi com alguém amado,
O vento solar soprando em mim estranha fantasia,
Pesadelo que se rasga e se renova entre os dentes da razão.
E enquanto desato metáforas e amarras de nó cego,
Ao longe vejo vindo em minha direção a madrugada.
Penso repouso entre as brumas do cansaço,
E de adormecer acordam em meu coração bocas de pavor
O orvalho dos séculos respingando ressumar de espinhos,
Sobre as pétalas do destino o derrame da melancolia das eras,
Até o inexorável amanhecer.
02.02.2013
REZA BRABA
Senhor, me levantei hoje repleto de alegria.
Tu o sabes, todos os dias da minha vida assim o tem sido.
Poderá o sol não brilhar aqui agora em mim,
Mas as bagas de trigo douradas estão a se dobrar no campo,
Igual querendo reverenciar toda beleza que se estende pelos céus.
E as abelhas, certas de saberem o que fazem,
Flor-a-flor estão a beijar e espalhar o pólen que reproduz a vida.
Eu sei, Senhor, muitas vezes a existência se torna amargo ácido,
Feito um caldo gosmento que entorna e se impregna nas veias,
E minhas horas nessas horas se enchem de desvairo,
Qual fosse eu um sátiro a atirar setas venenosas nas teias do existir.
Então escrevo espinhos, imensos vazios, vertigens, abismos, dores,
Esperanças que se fragmentam pelo espaço-tempo em labirinto
Cacos de vidro que se cravam em minha alma e caminhos
Instantes em que não vejo nem encontro qualquer saída,
Tardes nas quais se esvaem todas as minhas forças
E inúteis se fazem o clamor e as lágrimas desatadas em desalinho.
Mas, vede, Senhor, respirando o sopro de calor do teu vital sopro,
Hoje me levantei feliz, homem feliz que sou, à parte os ventos e moinhos.
Bebi meu café, comi da terra o pão e começou:
Me invadiram as coisas do viver, dobraram os sinos
Trabalho, cores, poesia, jornais, notícias,
Todos nós rodeados e roteados pela tecnologia,
Embarcação que tomamos sem saber a que lugar nos levará.
Internet, facebook, instagram, google, twitter,
A perfeita invenção levando o homem à prisão em si mesmo.
E vi entre as grades da malha virtual enredados,
Sobre o palco o falso brilho de homens que se travestem de poetas da auto-ajuda,
Cães a se proclamarem vira-latas enroupados de humildade,
Quando em verdade o que anelam é serem bem pagos vagabundos.
E não se fazem de rogados, Senhor, de boca cheia falam em nome do amor,
Feito saldo em fim-de-feira com preço baixo se auto-depreciam,
Mas se sabem valor de mercado, aqui e ali pedindo uma ajudazinha,
Cometendo orações em que cospem versos com o nome de Deus,
Aos crentes incautos, viúvas, solitários e abandonadas, aos quais encenam atitudes vazias
Àqueles crentes sem rumo que se arrastam e ao redor deles feito moscas se amontoam ,
Crentes de terem encontrado um lugar para descansar suas carestias.
Então, Senhor, ouço a chuva e uivos de alegria encharcam a minha alma.
E sou um homem feliz porque posso ver e ouvir a chuva cair,
E sei que a chuva não lavará os meus pecados,
Que são muitos e de variadas espessuras e calibres.
A chuva passa, ares limpos e em águas passadas as calçadas,
Diante de outros homens paro, homens preocupados,
Ou mais que pré, na soberba ocupados com Malafaias, Soares,
Waldomiros e Edires, vestidos nas suas alfaias de feno,
Os de fora invejosos dos de dentro com fama e grana entesouradas,
Cada qual com seu discurso na intenção e ardil de comover as pedras,
E outros atacando a bela que brilha na tela acesa da mal falada rede de TV,
Prontos e maquiados para se for o caso nela aparecer sem paga de cachê.
São os Simeões Estilitas a se curvarem aos próprios pés diante da multidão,
Inútil sacrifício de ascetas da ilusão a deitar pelo chão os castelos de areia.
Senhor, levantei-me hoje repleto de alegria,
E descrevi o que no correr do dias vi,
E isso, Senhor, isso não me faz ou me fará menos feliz.
Ver nos homens ser o que são,
Centelha que sou foi me ver no espelho cara-a-cara,
E não obstante eu nada ser, nada posso negar do que vi e vivi.
A chuva voltou a cair.
07.02.2013**
JUSTIFICATIVA
Não me arrependo de nada.
Se fiz e deu errado,
Não o fiz para dar errado.
Se fiz o certo e deu errado,
Quando o fiz, fiz para dar certo.
Não errei pensando,
Vou fazer errado para ver se vai dar certo.
Por isso não posso dizer,
Fiz tudo errado.
Se deu errado
É porque era para não dar certo mesmo.
Então não posso me arrepender.
Como posso me arrepender do que fiz de errado,
Se tudo quanto fiz era para dar certo?
E se houver algum arrependimento
É por aquilo que eu poderia fazer dar certo,
Mas por medo de dar errado, não o fiz.
Já o remorso...
29.01.2013
NOTURNO
Mais uma vez se deita em mim a madrugada.
Igual um caramujo que se arrasta escuro acima
Na própria trilha da saliva se escorrendo
Só em meio a pensamentos acorrentado
Muito lentamente feito chama que arde no molhado
Deixo que se escorra pelo papel
Palavra por palavra
Entre nuvens de fumaça e alguma furtiva lágrima
Vento, céu, sol, lua, estrela, aliança, casa
E um saber
Logo será manhã em luz banhada
Hora de olhar ao espelho e nele o espasmo
A preciosa pergunta em neblina envolta forjada:
Quando em minha alma outra vez
O perfume derramado de uma mulher amada?
31.01.2013
DESCAMINHO
Há muito já o sei
Escrito está em pergaminho
Não nasci torto
Me entortei sozinho.
Saí dos trilhos
Descarrilhei o trem dos meus dias
Sou vago igual vagão vazio
E vago feito cometa sem rota.
De assim ser
Verbo ao mar amar que em si se esgota,
Escrevi versos sem sentido
E de estar em alguma direção
Sem direção sigo coração compungido.
Retorci o vento e a palavra
Derramei da fonte o sangue,
Água de beber entornei do vaso
E de cada hora vivida
Toda hora em minha vida virou mero acaso.
E ninguém pelos meus desvios é culpado
Nenhum deus nem o diabo,
Menos ainda os que andam
E os que haverão de andar a meu lado.
Arco de pé meus atos e desatinos
Que amanhã,
Sei,
Estará em trânsito o julgado.
Só
E nada mais.
22/01/2013
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