MUDANÇA
Sentado à poltrona da sala,
Rodeado por uma nuvem espessa de pensamentos,
Igual um mendigo grudado às suas tralhas
Sobre a natureza das coisas arrasto meu olhar.
E de estar assim,
Tão real e só quanto pode ser um homem que está sozinho,
Navegante de sensações adormecidas no varal,
Amargo despertar de lembranças de um passado antigo
Lá longe, distante num lugar que fui e não voltarei a ser jamais.
Em cada prateleira vejo os livros,
Tantos caminhos desenhados em letras, frases,
Palavras formando pensares e diálogos,
Alguns dos quais compreendi, outros nem tanto:
A vida não se compõem só de vã filosofia,
O violão esperando acorde encostado num canto,
Nas estantes discos em ordem classificados,
Mpb, música clássica, blues,
E aquela canção que amávamos quando éramos amantes.
Nas quatro paredes quadros pintados,
Uns de alegria, outros de infância e saudade,
Abstrata desordem habitada de folhas brancas
Sobre a bancada versos de encanto e desencanto,
Ao meio a mesa de centro coroada por um pote de balas,
No alto da estante esculturas de louça fosca, uma balança,
Vasos vazios guardando ocultas amargas paisagens raras,
A ampulheta de vidro a derramar grãos de tempo no tempo,
Esfacelado.
Sentado em minha sala de segredos revelados,
Na memória dos objetos inanimados úteis uns, inúteis outros,
Túnica inconsútil a embrulhar minha respiração,
Tão clara de se ouvir ao peito a batida,
Teimoso coração a dançar o descompasso
Ao som do silêncio das coisas que estão sós,
Na sombra do vento o murmúrio de um inesquecível fado.
Dentro da minha casa,
Ausente o menino,
Aberta acesa a chaga
Derrama gota de sangue na sala o último verso em solidão.
08-10.03.2013
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