sábado, 23 de fevereiro de 2013


TRANSFORMAÇÃO III

Senhor, hoje não irei insultá-lo
Nem implorar coisas inúteis
Tais como comer aquela mina
Ganhar na loteria e ter aquele sonhado carro
Uma BMW com bancos de couro 
E detalhes de acabamento em ouro.

Não, Senhor de todas as coisas 
E das mulheres e das pastoras nuas que povoam meus sonhos impossíveis
E faz com que meus olhos acordados nelas grudem
Mesmo eu não querendo
Impossível resistir, Senhor
As frutas, as maduras, as temporãs
Todas frescas, oh Senhor
Que delícias nos jardins criados por ti
A rigidez das maçãs 
A textura das ameixas e romãs
E os lábios carnudos e encarnados do caqui
-O caqui é muito, é tudo de bom, Senhor-
Enfim, não dá prá resistir.

E como eu ia dizendo, Senhor
E peço perdão pela digressão 
Hoje eu não irei desassossegá-lo com imprecações interrogativas e chatas
Aquelas mesmas de sempre
-O que foi que eu fiz de errado, Senhor?
-Onde estás, Senhor,  que não me ouves?
Ou o desafio, -Apareças se és verdadeiro.
Nem cometerei acusações contra vossa soberana vontade
Não, Senhor, hoje não, hoje não  xingarei  as agruras da vida
Nem vou ficar apontando os desequilíbrios que imprimes às tuas criaturas
Bem e mal, riqueza e pobreza, belo e feio
Homens e mulheres todos sob o mesmo inclemente e soberbo sol

Nem satanizarei os meus incontáveis demônios 
Chibatando-os nas cordas e correntes do passado
Nem expelirei das membranas da minha língua
O veneno da palavra ensandecida pelo ódio.

Senhor das algas marinhas úmidas de desejo
E Senhor das margaridas em chamas espalhadas pelos canteiros do universo
Sim, Senhor, hoje não altercarei contigo palavras sórdidas  e brutas
Tais como: pecado, condenação, miséria, castigo, sofrimento,
Dor, doenças e outras de ordem dialética
Coisa que me fazem pensar na possível intransigência do criador de tudo isto,
Seja ele Deus ou o Diabo
Uma vez que no todo
Tudo é uma coisa só.

Sim, Senhor, ainda que eu veja tudo isso e pouco possa fazer
Hoje acatarei com paciência a ordem dos acontecimentos 
E as tuas ordens
Sem protestar ou prantear perdas
E lançarei aos céus  o pano fosco das minhas humildes velas
E navegarei em ti a clareza dos que conhecem as 88 constelações.

Sim, Senhor, meu Deus
Tu que és Deus das minhas alegrias
E mais ainda das minhas sentidas tristezas
Asas de muito voo de arribação
Hoje me aquietarei
Porque as coisas são como são
 E porque estão vivas
E porque uma coisa é uma coisa
E outra coisa é outra coisa
Por essas e outras
Melhor que todas, Senhor
Hoje é  (terça), o dia é teu e meu
É bom da terra o sal
Versos pra ti minha secreta e sabida amada
Hoje é dia de sarau. 



Terceira versão manuscrita. Setembro 2009// cooperifa/binho/politeama **


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