SONHO
Quando te sonhei,
Era como se te visse ao espelho,
Porque eras duas
Uma dentro outra fora,
Mas o que no espelho acontecia,
Não era o mesmo o que na real ocorria.
Eu bem via e me deliciava,
Não eras anjo nem demônio
Nem inocente menina
Nem mulher de vida vadia,
Eras antes toda de carne e flor
E corada e clara como a lua
E densa, morena se sol queimada,
Pele coberta de arte em cores tatuada,
Brasa em fogo latente de vida.
E no espelho eras pequena,
Assim como no sonho que agora és,
Tão pequena que podia cobrir-te com meus cabelos,
Tão macia quanto penugens de pêssego,
E eu podia chegar tão perto que tudo via
E tão perto eu chegava que em ti me perdia.
Não, jamais sonhei alguém assim,
Alguém que eu visse em mim por dentro,
Por dentro do espelho o sonho
E fora do espelho da vida
Por dentro a minha e a tua vida.
Jamais sonhei alguém assim
A imagem de carne viva e leve
Flutuante o rosto rosado,
De mil luares aceso
De rosas rubras iluminado
Teu rosto tua boca tão pequena tão vermelha,
E gestos tão doces e precisos,
E pequenos os teus seios pontilhados de grãos de areia,
Tão pequenos quanto o são os das sereias.
E um par de olhos de pérolas
Indefinida cor verde azul celeste
Assim te olhei,
E de te olhar desse jeito
Sonho dentro de outro sonho
É que fico a te sonhar,
Ao sonhar acordado como te vi ao espelho.
Sonhar-te-ei de novo,
Igual te sonhei no sonho
Carne rosada e corada de sangue e desejo
Nem menina nem mulher sofrida,
Mas alguma coisa que não se descreve,
Antes se percebe, se vê e se sabe,
És lume fugaz de fogueira
És sombra nuvem passageira.
Mas não eras,
Não és desses sonhos que se contam por aí,
Selvagens flores do campo e outros cheiros assim,
Não, o teu cheiro era antes mistério,
E tua voz tão mínima,
Gemido que quase não se ouvia,
Música que soa ao longe,
Um toque cálido e surdo de clarim;
E o toque dos teus dedos
Coisa de pétalas e magia,
Despertar de fantasias em oceanos de marfim.
E outra vez o teu cheiro,
Mistura animal de fêmea essência de jasmim,
E doce e branco teu cheiro exalando espumas,
Mil carícias se espalhando pelo deserto de mim.
E dentro do sonho sonhei que te contava,
Não, conto de fadas não,
Antes te contei um sonho que não se podia contar,
Não porque fosse sujo ou impuro,
Antes indescritível por isso impublicável,
Assim te contei o sonho,
E de te contar o incontável me olhaste daquele jeito,
Do mesmo jeito que me olhaste no espelho,
Sonho sonhado sem fim,
Um que de interrogar por quê,
Um olhar de dúvida e pousar de borboleta,
Tão fino, tão delicado, tão suave,
Um olhar tão silencioso quanto a sombra do invisível.
23/06/2011 - 04/07/2011
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