A Morte de Abdias Nascimento e Luiz Gama na História
A história dos negros em meu país, penso eu, ainda é muito nova.
Há muita coisa por ser descoberta e falada a respeito desse crime,
ainda hoje largamente praticado, das formas as mais diversas possíveis.
O crime da escravidão.
Abdias Nascimento, disso estou certo, pertence uma linhagem de homens
especiais, os quais a vida preparou para trabalhar em prol de uma causa.
Se falo de escravidão, o que de imediato me vem a mente é o nome de
Luiz Gama, um homem cuja história é o próprio testemunho de uma vida
integralmente dedicada à ideia da liberdade. Luiz Gama, sem o menor
resquício do engodo de uma frase dramática, que este não é o caso,
-Luiz Gama, escravo libertador de escravos-. Só se é escravo à força.
E Abdias Nascimento, que nasceu em Franca, São Paulo, em 1914,
e morreu no dia 25 de maio de 2011 com 97 anos, é um desses homens
especiais que vêm para a vida e deixam aqui gravadas uma boa batalha.
Abdias é a imagem do homem que lutou pelos direitos de tudo que dissesse
respeito à liberdade do homem afro descendente no Brasil. Liberdade que é
a busca do reconhecimento integral dos seus direitos, os direitos do
homem negro, históricamente relegados ao esquecimento.
Exemplo: -Quem conhece a fundo a história de Luiz Gama? Todos os dias
apagam-no um pouco da memória coletiva do homem negro
e seus descendentes, para em seu lugar ser cultuado o nome de Izabel, princesa.
Pois acredito que Luiz Gama deveria ser cultuado tal e qual a princesa. Ou mais.
Abdias encarna o homem imbuído desse caráter, o de denunciar a depreciação
do homem de cor, seja ele negro ou mestiço, o de apontar a perene situação
de inferioridade de todos os negros brasileiros.
Abdias tinha 16 anos quando começou sua militância em favor da igualdade racial,
quando esteve integrado à Frente Negra Brasileira.
Por estar inteiramente comprometido com a causa, viveu em si mesmo histórias
inacreditáveis, como esta que se segue.
Abdias é o responsável pela criação do Teatro Experimental do Negro,
que atuou no Rio de Janeiro de 1944 a 1968, primeira companhia de teatro no
Brasil a incluir astistas afrodescendentes em seu elenco. Antes disso, negro
no palco, nem pensar.
No anos 40, Abdias foi a Buenos Aires, logo depois de ter participado do
1º Congresso Afro-campineiro, onde se promoveram idéias e discussões
de como resistir à discriminação.
Pois bem, em Buenos Aires, Abdias assistiu à peça "O Imperador Jones",
de Eugene O'Neill, cujo personagem principal é um negro.
Mas o intéprete do papel, ora vejam vocês, era um branco pintado de negro.
Esse acontecimento desencadeou em Abdias a vontade de mudar o
estado de coisas no Brasil, ou seja, inventar uma maneira de valorizar os
artistas negros brasileiros.
Abdias, depois de fazer um curso no Teatro del Pueblo, voltou ao Brasil.
Mas aqui não pode colocar aquelas idéias em prática, pois foi preso
por crime de resistência, delito este cometido antes de ir à Argentina.
Cumpriu pena no Carandiru, onde criou o Teatro do Sentenciado.
O Teatro Experimental do Negro teve o apoio de outros artistas, e cursos
de interpretação, cultura geral e até de alfabetização foram dados, tudo com a
idéia de formar atores negros. O espetáculo de estréia foi a peça "O Imperador
Jones", em 1945. E ainda atuou como ator em duas peças de Eugene O'Neill:
"Todos os Filhos de Deus tem Asas" e "O Moleque Sonhador". Quando o Teatro
Experimental do Negro completou dois anos, protagonizou um trecho de "Otelo",
a peça de Shakeaspeare, junto à atriz Cacilda Becker.
Ironia do destino, no ano de 1948 ele seria alvo de uma discriminação brutal,
quando Nelson Rodrigues cogitou seu nome para encabeçar o elenco de
"Anjo Negro", peça de sua autoria, vivendo Ismael. Pois sabe o que aconteceu?
Nenhum teatro aceitou sediar uma peça em que o ator principal era um negro.
O papel do "grande negro de ventas triunfais" foi interpretado por Orlando Guy,
um ator branco.
E tem mais: durante o regime militar teve que se exilar, o que o fez ficar fora
do país de 1968 a 1978, trabalhando como conferencista, professor e
escritor. "Sortilégio", "Dramas para Negros e Prólogos para Brancos" e
"O Negro Revoltado" foram algumas das suas obras publicadas.
Na volta ao Brasil, engajou-se na política, elegendo-se Deputado Federal,
1983/1987, e senador da República de 1997 a 1999.
Foi fielmente ligado ao Movimento Negro Unificado e instituiu o dia
20 de novembro como o dia da consciência negra.
25 de maio de 2011/pesquisa/caderno2
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