A MANHÃ
Vou desenhar no ar uma cor
De colares vermelhos amarelos e verdes
E jogá-los nesta manhã de folhas calmas
Plácida plástica
Dançar de sombras recortadas e coladas ao chão,
Da luz centelhas acesas antiga idade
Outra morada noutro tempo
Nem tão perto nem tão distante
No entanto próximo à eternidade;
E eu, que tenho da centelha da vida
Desta vida alguns míseros anos
E eu, este esqueleto sobreposto de carnes
Sangue, músculos e algum vago desejo
Nas veias vias ruas estradas e becos
Tudo misturado a outras terras
Florestas palácios reinos impérios
Que os tive
E as mais belas mulheres
Acima e abaixo do teto do Cruzeiro do Sul.
Sonho sonhado e desdito:
Amanhã serei pó e nada mais.
Manhã de estrelas vagas embebidas d'água
Na luz dos girassóis de Van Gogh iluminadas
Manhã de anjos caídos e demônios encantados
Flores mortas entre páginas de cartas esquecidas
Nesta manhã de fluídos condensados em doce-de-leite
Mel e castanhas açucaradas em alguidares de mascavo,
Pelo chão desta manhã lavada da chuva de rios e mares
Das eras e das horas passadas no fio da navalha vividas
E amanhã uma nova manhã
E nela entalhada na carne viva a sentença:
-Amanhã serei o que já não existe mais.
Manhã de paradoxos indeléveis
Gravura de cartilha Caminho Suave impressa no corpo e na alma
E no entanto esta manhã de ausência de caminhos.
Soubesse eu o rumo que tomará as estrelas
Os acidentes, os cais, os caídos, o caos
O sentido das rodoviárias, das fugas geográficas
Soubesse eu nesta manhã a direção das coisas
E conversões, retornos, paradas e outras tantas incógnitas
Sempre à minha frente
O que
Eu
Não sei
Que
Irá acontecer
Nesta manhã de raios cálidos e lúcidos
No recinto paciente do meu coração quente
Nesta manhã de asas batidas
Sem voo
A minha sombra firmemente pregada à terra. **
1 e 3 de Setembro, 2010
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