segunda-feira, 28 de outubro de 2013

CONGO

CONGO

É madrugada.
Mais uma vez me sento à mesa azul
E em desespero de pensamento escrevo.
E em já escrevendo,
Me negando a concretizar o pensamento no papel,
Como se já não soubesse me indago,
Sobre o que escreverei?
Sobre a doçura dos frutos da terra
E a delicadeza do perfume das flores?,
Ou sobre uma ferida ardente
À face da terra inteira mostrada e vista,
Seis milhões de mortos entre irmãos,
A violência imperando contra a mulher
O estupro puro e simples tornado arma de guerra,
Registros oficiais dando contas
Mais de mil estupros por dia durante 365 dias,
Filhos bastardos rasgados ao meio
Outros renegados por mães desacorçoadas da vida,
Mulheres que desejam jamais ter ao olhar um homem.

A música toca no rádio
Uma música que em sendo bela é uma confusão de sons
E estridos que misturam entre si as estações
No inverno é outono
O inverno  é o indefinido
E a primavera não existe mais.
A terra, exangue, bebendo do sangue dos homens,
Sangue derramado pela cobiça dos homens.

Madrugada.
Dói pensar nesse momento o que penso
E por instante penso que poderia estar a pensar outra coisa,
Quem sabe na poesia que pode haver numa guerra 
Uma guerra que fosse bela e feita de ouro negro e diamantes.

Mas não,
Estou a pensar, sempre a pensar nisso,
Há qualquer coisa de errado aqui,
E tal como se fosse uma criança teimosa
De ser proibida de pensar é que mais pensa,
Ainda que doa
E cause desconforto à carne e à alma.

Mas o Congo não é aqui,
E eu estou ancorado no conforto da minha impotência,
-O que eu posso fazer?-
E penso,
Sim, há uma coisa errada aqui,
Não é possível tanta impiedade humana,
E mais profundamente tento compreender o bem e o mal
E dói pensar o bem e o mal,
Porque se faz bem pensar o bem fazendo o bem absoluto,
Que mal me faz pensar
Aqui também se faz a prática do mal absoluto.
E o Congo está do outro lado do oceano,
E é  mais que o espanto do poeta
"O horror, o horror, o horror...",
É mais que isso,
Ter comido do fruto do conhecimento
E do conhecimento do bem e do mal dele não saber o que fazer.

Do outro lado do Atlântico
Tem alguma coisa muito errada aqui;
Ninguém sabe o que é,
E se sabe,
Não sabe como resolver o que há de errado aqui.

28.10.2013**



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