segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


TESTAMENTO

Eu sei que as coisas acontecem comigo;
Penso, passarão
E outras nuvens, cargas d'água
Chuvas vendavais virão
Pepita de ouro na mão de mendigo
Mas o que é isso senão uma frase que pretende sentido?
E assim sigo, sem cavalo corte ou coroa
Pepita de ouro na mão de mendigo
A realidade abrindo portas da verdade
Que sei
Eu  que estou sempre a dizer que sei, sei, é, eu sei
Eu que sei não saber absolutamente de nada
Sei que todas as portas vão dar numa porta só.

E aqui vou, navegante na imensidão das noites negras
Na conjuntura de életrons e quark's
Enterrado até o último fio de cabelo nesse balão de oxigênio
Singrando os corredores escuros desta escura galáxia
Constelação via láctea
Jato de esporro divino no tempo e no espaço
O gozo dessa vida embutido no orgasmo dalgum deus desconhecido.

No entanto, segue se esparramando a gosma pela via láctea afora, 
Sobre o manto negro luzindo seu lume de vagalume
Sigo eu e você e todos nós mergulhados nesse caldo
De melaço, carne e poeira
Fogo, gelo, fragmentos, caco e pó,
Pedaços dalgum vaso
Num acesso de ira por algum deus jogado;
E o vaso jogado ao chão da galáxia rebentou
E se despedaçou entre incontáveis buracos negros 
E outras estrelas deste universo.

E uma nova porta se abre,
Mas sei, -entre inúmeros outros saberes inúteis-
Todas as portas acabam sempre dando em nada
Assim como eu que não sou nada
E a pedra também, e o ouro e o diamante
-Esse cancro carvão endurecido na terra encravado-
E os templos, as casas de jogos, prazer e consumo
E as moradas, e os homens e as mulheres
Tudo revirado em nada pó esfacelado
Cacos de algum vaso neste canto da sala do universo abandonados.

Eu caco de vidro, caco de pedra, caco de barro
Caco de terra batida, corte
A água tudo  dissolve e desmancha
E se esvai o sonho;
Aqui é o mundo
E tudo é aposta no oposto
Tudo aqui anda em duas alas
Uma indo outra vindo
Ala do bem ala do mal
Noite e dia, açucar e sal.

Por isso vou indo, alado
Cacos entrevoo nos líquens acesos do que está acima e abaixo
Outro andar desse mesmo edifício
Aqui é o mundo 
Aqui começa aqui termina
Outra etapa desse caminho e caminhar de despedidas.

Assim me despeço
E não há drama;
Deixo dívidas, reconheço
Pedi emprestado
E aí começo essa pauta pedindo a conta
O devido está no todo estabelecido e contado.
Ainda que só lá pelo dia do Juízo (amanhã) venha o acerto final.

Não tendo o que deixar
Nem como alguma coisa levar
Deixo em testamento versos:
Destes, algum há de valer uma palavra
Bendita ou maldita que seja
Fica paga minha dívida por esta palavra.

Adeus.
A Deus.
Ambas são entrega, seja adeus simples ou composto.

É sempre nisso que dá uma porta
Um mendigo frente a ela 
Pepita de ouro à mão
É sempre nisso que dá uma porta:
Em outras duas portas sempre dando numa só;
E onde houver saída, outra entrada
E outra saída ao lado de outra entrada, 
Aqui é o mundo, reconheço:
Não há saída
Entrei, mas perdi a entrada.

Despeço as manhãs e seus aromas verde-minas
De ervas ofertadas
E outros cheiros que evocam a palavra exata:

Despeço
Não tenho mais nada que pedir
Pepita de ouro na mão de mendigo
A palavra saudade é uma luva de carne viva
Carícia de um dedo sobre fotografia envelhecida;
A palavra é um suspiro de luz sobre um canto escuro da alma;
A palavra saudade é uma despedida longa, longa, longa
A palavra saudade é morrer
Estar morto 
E não esquecer. 


31 de agosto/1,2 setembro/2010  - Lançado 9.8, sarau do binho//11.8, cooperifa

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