segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


CIDADÃO

Sou nada mais nada menos
Um cidadão precário e dos dias proletário, 
Mas poderia ser entre aspas
Serve tanto pra varrer
Quanto pra tirar caspa de barata.
E nada tem a haver com a auto estima o acima relatado.

O buraco é mais embaixo
E esta é a história:
Tenho meu carro século antigo
Meia vida e meia 
Ipva e alguma multa no atraso;

Por força das circunstâncias
O que me leva e trás 'tá no nome da minha mãe.
Mas eu não trafico nem jogo bola
Faço meu corrézinho, sim 
E por vezes é aquele espirra
Enquadro de polícia no corre é fria
Vacilou, mano, a adrenalina sobe a mil, cê sabe, né, meu?

Então, valeu, firmão?
E depois é riléx.
Tudo vai virar fumaça.
Mesmo.

E então olharei para o céu
E verei no céu não mais que as parcas
Poucas e opacas estrelas
As muito poucas estrelas
No céu da capital de pedras e incertezas.

Fecharei os olhos então
E lá estarão, nítidos
Fervendo em círculos no meu cérebro
Latejando no alto abaixo e nos lados da minha cabeça
Sóis de números e grandezas inumeráveis
Valores cósmicos que nem mesmo legiões de deuses poderiam guardar
Escalas quânticas que escapam à compreensão de toda e qualquer regra conhecida.

Assim, nada menos nada mais
A fila anda
O mundo gira
Sabe-se lá se a lusitana ainda roda
O fato é que vou
Cidadão vou indo de rolo e arrasto
Aqui e ali negociando
Bordando possibilidades e alternativas
A boca prenhe de desvios
Uns bucais outros de linguagem
Na periferia reduto das chamadas gentes
Sub raças mais que raças humanóides
Soma de povos, culturas, costumes, pirraças.

Sei o que sou
-Operário-
De conforme e acordo com o dicionário dois pontos
-O que trabalha em uma arte ou ofício
 E mais lá diz: obreiro, trabalhador, agente, causa, fautor
 E vocês não imaginam a exuberância do significado e significante 
         [desta palavra no dicionário: -fautor-.
E por último, proletário, que já o disse
E é o que sou:
                    Cidadão professo mais uma na voraz megacidade
                    Amante da poesia ouvidor de parcas e  estrelas 
                    Encantador de dívidas nenhuma sorte na loteria
                    Inveterado comedor de consoantes e vogais
                    Delícias da língua lascívias verbais
Simples assim, 
Um migrante brasileiro fazendo a vida na grande capital.



Março de 2010 - Lido no circuito Sarau  Zona Sul - São Paulo
             

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