sábado, 23 de fevereiro de 2013



AVATAR

Alinho na prateleira da memória
As coisas concretas e abstratas que ontem fiz
E para sempre estão feitas e nos potes guardadas,
E ajeito as que tenho feito de novo
Repetido passo sobre passo dado
Ainda que hoje o que ontem fiz
Hoje o tenha feito mais tarde 
E de maneira diferente.

É que estou próximo
De me aproximar
Por aproximação incoercível
De alguma coisa bem definida
No entanto face desconhecida
E de outras coisas me distanciando.

Não, não estou ficando velho nem o serei
Nem nostálgico, nem triste, nem melancólico, nem medroso
Antes lúcida mente transpassada bica d'água ao sol;
Estou me despedindo tarde lusco-fusco
Tarde transindo-parindo pôr-do-sol
Serpente o rabo engolindo nasce a noite
Menos que morrer vai viver d'outro lado o dia
E tenho visto nisso sentido
Garfo mesa prato sofá cadeira
E nas coisas todas outro sentido
Servir compartir dividir acolher pensar
Para cada substantivo há um verbo a ser aplicado
Tão simples despedida
E outras coisas outros sentidos
Outra direção outro significado outro canto.

E ao sol deste  fim de dia 
Mozart k622 adágio
Luz andante do oriente ao ocidente
No traço já tantas vezes verificado
Mesmo caminho paralelo correlato sentido
Já antes dada a data tudo acontecido
A mesma repetência do antes já vivido.

Que tenho sentido fundo
E raso tenho percebido mero jogo de palavras
Infame e vazio o jogo
No entanto tão viva da vida a chama na superfície
E na outra esquina termina a chegada às portas da terra prometida.

Enfim, embranqueceram os pelos da minha carne
E caíram muitos pelos desta mesma carne
E gastou-se a engrenagem do relógio de carne.

Estou me despedindo
Que a despedida dá sentido às coisas.
E nisso só haverá sentido se
Dados no jogo outros dias vividos
Houverem, dias contados, outras despedidas.
**

23.7.2010/


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